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“Há uma gritante carência de habitação no concelho”

Professor e mestre em História Contemporânea, João Vasconcelos foi eleito nas últimas eleições – autárquicas e legislativas – vereador do executivo não permanente na Câmara Municipal e deputado na Assembleia da República. É um nome conhecido em Portimão, sua terra natal, mas também na região há vários anos.

Como viu a atuação da Câmara em relação à covid-19?

Considero que as propostas apresentadas pela Câmara têm sido positivas, na generalidade, as quais vieram de encontro às que apresentámos para fazer face e minorar as graves consequências sociais e económicas que os portimonenses e empresas do concelho têm sofrido devido à pandemia da covid-19. As propostas do Bloco de Esquerda visam apoiar os mais vulneráveis, garantir direitos e serviços fundamentais a todos e mobilizar recursos em prol de uma comunidade solidária, não deixando ninguém para trás. No entanto, a Câmara devia e deve ir mais além.

Como deve então proceder?

Quem foi atingido pela pandemia e ficou sem recursos financeiros deve ficar isento do pagamento da fatura da água e não ficar com a dívida, pois a crise vai agravar-se. Por outro lado, os subsídios de apoio ao arrendamento e para aquisição de medicamentos devem ser atribuídos a todos os que vivem no concelho e não excluir quem tem menos de dois anos de residência, o que até será inconstitucional, pois viola o direito à igualdade. Também as famílias que vivem nos bairros camarários e outros fogos de índole municipal devem ficar isentos do pagamento das rendas até final do Verão, prorrogável conforme o evoluir da situação. Por outro lado, as rendas cobradas aos operadores dos mercados (Mercado São João de Deus e Mercado por Grosso) devem ser reduzidas em 75%, em vez de 50%. Em alguns casos, até se justificará isentar estes operadores nos próximos meses, visto o volume de negócio ser muito residual.

Qual o maior problema que identifica no concelho?

É sem dúvida a falta de habitação. O atual executivo PS tem prosseguido o mesmo rumo dos anteriores: não investiu um único cêntimo em qualquer programa de habitação social ou de arrendamento a custos controlados para jovens casais e famílias necessitadas. Há uma gritante carência de habitação no concelho e a lista de espera aumenta cada vez mais. Por outro lado, o parque habitacional camarário encontra-se muito degradado e tarda a sua requalificação, o que foi uma das promessas do PS antes das eleições. Veja-se o estado calamitoso e de abandono em que se encontram certos bairros, como a Cruz da Parteira, Coca-Maravilhas, Cardosas e Bairro Pontal. Provavelmente vamos assistir a algumas obras em vésperas de novas eleições autárquicas. O eleitoralismo sempre foi uma imagem de marca do PS e da Câmara em Portimão.

E em cada uma das freguesias?

De um modo geral, os problemas que as diferentes freguesias do concelho enfrentam são muito similares, embora com alguns problemas específicos, como é o caso da Mexilhoeira Grande por ser uma freguesia rural. Falta a habitação, as carências alimentares e outras agravam-se em tempos de pandemia e o desemprego é outro dos problemas. Outras carências verificam-se a nível de Centros Públicos de Apoio a Idosos e de uma rede de creches públicas gratuitas. Os impostos e taxas municipais, por força do Fundo de Apoio Municipal, a que a Câmara recorreu face a uma gestão desastrosa da parte dos executivos PS, continuam a ter um peso elevado para as famílias e empresas de Portimão, Alvor e Mexilhoeira Grande. Esta freguesia, muito em particular, debate-se com a falta ou irregularidade de transportes públicos/Vai Vem, que não servem devidamente as suas populações.

Que fragilidades ficaram a descoberto com esta pandemia?

A pandemia colocou a nu as fragilidades do tecido económico local, comum a todo o Algarve, que assenta em mais de 80% na atividade turística. O peso excessivo do turismo impôs-se à custa da eliminação ou redução muito acentuada de outras atividades económicas, como a agricultura, pescas e indústria conserveira. A monocultura do turismo de ‘sol e mar’ acabou por capturar os investimentos no concelho e em toda a região e passou a assentar na sazonalidade, numa crescente precariedade, numa política de baixos salários e em ritmos intensos de trabalho. Agora com a pandemia, temos o crescimento do desemprego e da pobreza. Impõe- se assim a adoção de medidas extraordinárias canalizadas para pessoas e empresas.

Tem sido crítico quanto à falta de recursos no Hospital. A situação pode piorar?

As maiores dificuldades no Hospital do Barlavento fizeram-se sentir durante a governação do PSD/CDS, às ordens da ‘troika’ estrangeira e, mais precisamente, quando foi feita a fusão com o Hospital de Faro (e Lagos), daqui resultando o CHA. Não houve investimentos e faltaram os recursos humanos e materiais. A transformação em CHUA com o governo anterior não resolveu os problemas e quem mais sofre são os utentes. São necessários mais profissionais de saúde, mais investimentos e avançar com a construção do Hospital Central do Algarve. Estes profissionais, em tempos de pandemia, têm sido uns verdadeiros heróis e devem ser revalorizados a nível das condições remuneratórias e de trabalho.

Quais são as preocupações dos munícipes?

São aquelas que preocupam o comum dos cidadãos, que é a garantia de trabalho devidamente remunerado e com direitos, ter pão para a mesa para as suas famílias perante a grave crise que têm pela frente. Os munícipes desejam o alívio da carga fiscal, o direito a um ambiente sustentável, ao bem-estar e à qualidade de vida.

Uma das batalhas do BE de Portimão é a ambiental. Tem faltado coragem para travar projetos?

Um outro grande problema que temos no concelho é a continuação da mesma política ambiental por parte do atual executivo PS, prosseguindo e até agravando as políticas do ‘betão’ que anteriores executivos aplicaram. É mais do mesmo, tudo virado para o turismo e não se tem em conta a diversificação económica, as alterações climáticas e as áreas sensíveis e ecológicas. O projeto de João D’Arens é uma aberração ambiental (construção de três hotéis próximo da falésia) e até colide com o PROTAL que não permite construções na orla marítima, numa faixa terrestre de proteção de 500 metros. É considerada a ‘última janela virada para o mar’ em Portimão. Felizmente, temos uma cidadania ativa em Portimão em defesa de João D’Arens, que merece todo o meu apoio e do Bloco de Esquerda. O mesmo se passa com o novo Projeto da Quinta da Rocha, na Ria de Alvor, que é Rede Natura, área protegida. Há processos pendentes em tribunal e o promotor utilizou uma cartografia não oficial onde omite habitats protegidos e, mesmo assim, há pareceres favoráveis da parte do ICNF e da CCDR do Algarve. O executivo permanente não devia ter aprovado o Pedido de Informação Prévia perante estes factos. Desta forma, por requerimento do Grupo Parlamentar do BE foi aprovada a audição na Assembleia da República de várias entidades para um cabal esclarecimento do novo projeto.

Quais devem ser as prioridades da autarquia?

Devem orientar-se para os apoios a quem mais precisa. A crise que estamos a viver será bem pior do que a de 2010 e se não forem tomadas medidas urgentes e extraordinárias, também com apoios do governo, muita gente ficará para trás, muitas pequenas e microempresas encerrarão as portas e o desemprego e a miséria atingirão índices elevados. Desta forma, deve ser apoiado o comércio local com o aperfeiçoamento da entrega de bens essenciais em casa das pessoas mais vulneráveis, em articulação com associações. Criar ou aumentar programas de apoio de refeições, para as pessoas que o requeiram, garantindo que a fome não volta ao concelho - escolas e famílias. Devem ser criados programas de apoio ao comércio tradicional, em articulação com os pequenos comerciantes e as suas associações representativas. Um dos setores que estava a ser deixado para trás é a dos artesãos e vendedores ambulantes. A pretexto da pandemia a Câmara tinha decidido não atribuir licenças este ano para este setor desenvolver a sua atividade, ao contrário do que acontece noutros municípios, o que se tornava incompreensível. Felizmente que imperou o bom senso e a situação foi revertida, como defendeu o Bloco de Esquerda. Estas pessoas fazem parte dos mais débeis e necessitados e devem ser ajudadas. Também são gente e merecem ser tratadas com dignidade.

E noutras áreas?

Relativamente às escolas, a Câmara deve disponibilizar os apoios e meios, contribuindo para a segurança, em tempos de pandemia, de alunos, docentes e restante comunidade educativa, em articulação com as direções escolares, professores e governo. Algumas cantinas escolares devem continuar abertas durante o Verão, destinadas a alunos carenciados e filhos de pais mobilizados para o combate à covid-19. Garantir computadores ou tablets, com acesso à internet gratuita, para todos os alunos da escolaridade obrigatória. Devem ser alargados os beneficiários da Tarifa Social da Água e implementar a automatização da atribuição. Garantir que as pessoas em situação de sem abrigo não continuam ou voltam para a rua e criar condições para a abertura de ‘Centros de alojamento de emergência’ para estas pessoas, com direito a refeições, higiene pessoal e apoio na saúde.

E a nível da economia?

Para responder às famílias e às atividades económicas locais deve o município proceder à isenção ou redução de taxas municipais no que concerne à ocupação de domínio público, feiras e mercados e no âmbito da higiene e salubridade. Também deve ser eliminada a derrama e reduzido o IMI bem como a participação variável no IRS para o ano de 2021. O direito a uma habitação digna tornou-se mais urgente durante a atual pandemia. Torna-se imperioso a definição de uma política de habitação digna, que responda, de uma vez por todas, a um direito constitucionalmente consagrado, que define também a segurança e a saúde das populações, uma vez que, a habitação é, para além de uma base fundamental para a estabilidade pessoal e familiar das populações, uma ferramenta de saúde pública.

Para finalizar, há mais alguma área onde é importante atuar?

A cultura é um pilar fundamental da democracia. Com a pandemia verificou-se o cancelamento ou adiamento de muitos espetáculos e outras atividades culturais, deixando os trabalhadores sem rendimentos. Deve a Câmara garantir apoios a estes trabalhadores, muitos em regime de recibos verdes, e atribuir outros apoios de emergência, de caráter extraordinário e transitório, destinados a proteger a atividade cultural e criativa local e a minimizar os prejuízos sofridos pelos respetivos agentes (artistas, técnicos, mediadores e estruturas) em situações de efetiva paragem ou redução da atividade. Continuar a apoiar o associativismo local, mas com critério e parcimónia, pois algumas destas entidades nada ou muito pouco desenvolvem no âmbito da cultura, desporto, recreio e mesmo social. Também deve a Câmara integrar todas as trabalhadoras e trabalhadores precários, como forma de salvaguardar o emprego e rendimentos dignos a quem trabalha. A higienização dos transportes públicos/Vai Vem precisa de ser reforçada e serem melhoradas as carreiras garantindo transportes gratuitos para todos.

“ACIMA DE TUDO SOU PROFESSOR"

Quando é que entrou na política?

Logo no dia a seguir ao 25 de Abril, quando estudava em Silves e comecei a participar nas manifestações de estudantes, que tiveram lugar na cidade contra os ‘bufos’ (aqueles que denunciavam os opositores à PIDE), e pela construção de uma escola pública democrática.

O BE perdeu eleitorado nas últimas autárquicas. Como está a ser preparada a campanha?

A campanha é preparada todos os dias, dentro das possibilidades e vontades de cada um. Naturalmente que a partir de agora, mesmo em tempos de pandemia, reforçaremos as nossas visitas e contactos com os munícipes e outras entidades do concelho. Também nos órgãos municipais serão apresentadas diversas propostas para ajudar a diminuir os efeitos da crise económica e social que atingirá muitas famílias e empresas no concelho.

Tem estado mais ocupado com a política nos últimos anos. Sente falta de lecionar?

Acima de tudo sou professor e não faço da política profissão. Pretendo terminar a atividade de docente exercendo-a, antes de passar à aposentação daqui a alguns anos. Naturalmente que sinto a nostalgia do ensino, do contacto com os alunos, professores e restante comunidade. E atividade política faz-se sempre, tal como o fazia antes de ser deputado.

Como viu a adaptação dos professores durante a pandemia?

A classe docente foi muito maltratada pelos governos Sócrates e PSD/CDS. Mas os governos de António Costa – o anterior e o atual – continuam a esquecer os professores. E a castigá-los vergonhosamente. Onde está a valorização dos professores e a dignificação das suas carreiras? Foi tudo deitado fora. O Bloco de Esquerda apresentou no Parlamento várias propostas para a recuperação e contagem integral do tempo de serviço, mas PS, PSD e CDS chumbaram-nas. Uma boa educação dos alunos também assenta numa boa motivação dos seus professores. Os professores tiveram de se adaptar a esta nova conjuntura de pandemia, mas foram confrontados com os problemas do ensino à distância – que nunca pode funcionar como uma alternativa durante muito tempo. E porquê? Conduz a uma maior discriminação entre os alunos, especialmente oriundos de famílias mais carenciadas e desestruturadas.