
Declaração Política
Programa de Ajustamento Municipal do Município de Portimão
(Contratação de empréstimo no âmbito do FAM no valor de 141.616.000,00€)
Ex.mª Senhora Presidente
da Câmara Municipal de Portimão
Sobre o assunto em apreço cabe-me dizer o seguinte:
1 – Considerações Preliminares
Os pressupostos de recurso ao Fundo de Apoio Municipal, bem como as consequências da solicitação de intervenção do mesmo pelos Municípios merecem o desacordo de princípio do Bloco de Esquerda. O FAM constitui um atentado à autonomia financeira dos Municípios obrigando-os à aplicação das taxas máximas nos impostos municipais, penalizando os Munícipes por um longo período de tempo.
Em Portimão, a necessidade de recurso ao FAM em cerca de €142 milhões, evidencia anos de gestão ruinosa levada a cabo por sucessivas maiorias PS, agora com o respaldo do PSD. Como bem refere a proposta de adesão ao FAM em discussão “o montante total de dívida consolidada do Grupo Municipal ascende a cerca de €178 milhões, o que corresponde a cerca de 3 vezes o valor médio da receita corrente dos últimos três exercícios” (pág. 43 da proposta).
A adoção do Programa de Ajustamento Municipal proposto, em resultado da adesão ao FAM representa um agravamento da política iníqua e injusta até aqui seguida, estabelecendo os impostos municipais na taxa mais elevada e podendo agravar ainda a tributação sobre os munícipes com alcavalas tributárias que mais não são que novos impostos, como é o caso da polémica e odiosa Taxa Municipal de Protecção Civil, de legalidade mais que duvidosa – e que esperamos que não mais seja cobrada aos munícipes!
Assim, entendemos que sem novas eleições para os órgãos do Município de Portimão, em cuja campanha eleitoral possa este assunto ser discutido pelos portimonenses, não há uma verdadeira legitimidade política para a adoção de uma intervenção desta natureza. É bom lembrar que o Programa de Ajustamento Municipal se estenderá por vários mandatos dos órgãos autárquicos.
2 – Sobre o Programa de Ajustamento Municipal, em concreto
2.1 – A falibilidade das previsões de receita
O Programa de Ajustamento Municipal, para além de politicamente indesejável, não oferece a mínima credibilidade quanto aos objetivos propostos, considerando que a fundamentação das estimativas de receita não apenas é falaciosa, como até contraditória.
Relativamente à receita relativa a impostos municipais, prevê-se um crescimento da liquidação e arrecadação de IMI destituída de qualquer sentido. Referimo-nos aos critérios utilizados para fundamentar as previsões de crescimento desta receita fiscal por via do aumento do valor patrimonial tributário dos imóveis, e que é fundamentada da seguinte forma: “Atualização do VPT em 1% de 3 em 3 anos + crescimento real do PIB acumulado nos últimos 3 anos, incorporando o efeito de novas construções edificadas no Município” (pág. 50 da proposta).
Ao longo de todo o documento não é dada qualquer outra justificação ou estudo que fundamente o aumento de receita de IMI considerando a atualização do valor patrimonial tributário. E não se vislumbra a razão para que aumentar o Valor Patrimonial Tributário dos imóveis à razão de 1% por triénio, e muito menos acrescido do crescimento do PIB acumulado no triénio.
Não existe qualquer relação direta e causal entre o aumento do PIB e a valorização dos imóveis, muito menos aplicando a mesma taxa. Quando muito existiria em função da taxa de inflação. E, de resto, não são fundamentadas as expetativas de crescimento do PIB em nenhum dos triénios futuros (veja-se pág. 29 da proposta), pelo que nem sequer se pode aceitar o fundamento do aumento da receita.
Por outro lado, a este respeito, prevê-se para justificar o acréscimo da receita de IMI “o efeito de novas construções edificadas no Município” (pág. 50 da proposta), quando relativamente aos Impostos Indiretos, “nomeadamente os relativos a loteamento e obras assumiu-se uma ligeira redução face ao período histórico devido ao excesso de habitações já construídas e ainda não comercializadas, evoluindo à taxa de inflação prevista nos restantes exercícios” (pág. 51 da proposta), numa manifesta contradição da fundamentação da Proposta de Programa de Ajustamento Municipal.
Tudo isto poderia parecer irrelevante, não fosse o facto de “os recebimentos de IMI ascenderam em 2014 a cerca de €23.2 milhões e representam entre 53% e 60% do total de recebimentos para o período em análise”, conforme se afirma na pág. 49 da Proposta, e de o crescimento da receita de IMI prevista por via do crescimento do Valor Patrimonial Tributário ser de mais de 1 000 000 de euros logo no primeiro triénio (2017-2019 – ver pág. 50), num aumento de receita estimado em 4,69% face à arrecadação estimada para 2014.
Se estas previsões falharem, o Plano de Ajustamento Municipal cairá por terra, obrigando os portimonenses a grandes sacrifícios que não os levarão a lado nenhum.
2.2 – Manutenção das taxas máximas nos Impostos Municipais e regime tarifário
O Programa de Ajustamento Municipal proposto assenta na manutenção das taxas máximas de Impostos Municipais, assim onerando os portimonenses com o verdadeiro “regabofe” que foi a gestão do PS no Município, particularmente durante os últimos mandatos.
O impacto dos Impostos Municipais, em particular do IMI e a participação variável no IRS, no primeiro caso com os efeitos do fim da cláusula de salvaguarda, constituem esforços duros e acrescidos a suportar pelos portimonenses. Isto não falando nas elevadas tarifas de água, saneamento e recolha de resíduos sólidos urbanos, cujos valores elevados são enaltecidos na proposta nos seguintes termos (ver pág. 37):
“Os preços cobrados pela EMARP encontram-se acima da média do setor;
A estrutura tarifária do serviço de abastecimento público de água no concelho de Portimão é superior à média da região do Algarve;
A EMARP cumpre com as recomendações da ERSAR no que concerne à sustentabilidade de dos segmentos de água e saneamento;
Espera-se que a atividade de recolha de resíduos atinja o equilíbrio operacional nos próximos dois anos com a consolidação da atividade a nível municipal.”
Tudo isto é revelador da insensibilidade social da proposta do Regime Jurídico do FAM e do Programa de Ajustamento Municipal proposto. Por aqui se vê, inequivocamente como são tratados os portimonenses.
Mas mais grave ainda, com a aprovação do Programa de Ajustamento Municipal proposto, o Município de Portimão perderá, por largos anos, a sua autonomia financeira e o livre exercício dos seus poderes tributários, que terão de se conformar com a aplicação das taxas máximas nos Impostos Municipais. Nesta medida o Programa de Ajustamento Municipal proposto oblitera a Democracia e o voto dos portimonenses em eleições futuras, pelo que é inaceitável.
2.3 – Política de pessoal e serviço público
Pese embora ser referido na proposta que a despesa total, a despesa corrente e a despesa de pessoal per capita do Município de Portimão são das mais baixas do Algarve (pág. 41), não deixa de se prever uma diminuição do número de efetivos do Município de Portimão (pág. 54) e da despesa com pessoal (pág. 55), bem como de aquisição de bens e serviços relativamente a 2014 (pág. 56).
Se as medidas podem ser entendidas como boas para a Câmara, pelo menos no que toca à redução da despesa com aquisição de bens e serviços, a verdade é que não é explicado como vão ocorrer tais reduções e muito menos qual o seu impacto na atividade municipal e na prestação de serviços públicos às populações.
Assim, parece que o Programa de Ajustamento Municipal proposto se apresenta pouco sustentado nesta matéria, não permitindo aquilatar da sua exequibilidade e muito menos dos seus efeitos na vida da população.
Uma palavra ainda quanto ao processo de liquidação da Portimão Urbis e da internalização de apenas parte dos seus trabalhadores, que pese embora já decidida, mereceu na altura reservas do Bloco de Esquerda quanto ao futuro dos trabalhadores, apenas aqui se insistindo face às referências relativamente a esta matéria (pág. 54 do Programa de Ajustamento Municipal proposto).
2.4 – Resultados do processo de renegociação com credores
Os resultados das propostas de renegociação com os credores revelam-se altamente insatisfatórios (pág. 62 do Programa de Ajustamento Municipal proposto).
No que respeita à dívida bancária, a Caixa Geral de Depósitos apresenta o seguinte:
“- Manutenção das taxas de juro associadas a empréstimos de médio e longo prazo e redução de taxas de juro de curto prazo
- Consolidação de cerca de €5 milhões de capital vencido e custos de incumprimento em MLP
- Perdão de parte significativa de juros de mora e custos de incumprimento das linhas de CP
- Não cobrança de moras e comissões de incumprimento
Por sua vez, o Novo Banco, o Santander Totta e o BPI apenas apresentam uma “redução de taxas de juro para as linhas de factoring”.
O Millenium BCP encontra-se disponível para a “redução de taxas de juro para as linhas de curto prazo e factoring com retroatividade a 1 de janeiro de 2014”.
Finalmente com o Barclays temos o seguinte:
- “Perdão de parte significativa dos juros de mora vencidos em linha de factoring
- Redução de taxas de juro para o capital vencido da linha de factoring
- Redução de taxas de juro para o capital vencido do empréstimo de curto prazo, com retroatividade a 1 de janeiro de 2014”.
Verifica-se assim a indisponibilidade das entidades bancárias para, de forma clara, perdoarem juros de mora pelo incumprimento e para adiamento das maturidades. Apenas a CGD e o Barclays perdoam parte dos juros de mora. Por outro lado, a proposta é pouco ambiciosa quanto à renegociação das taxas de juro aplicáveis ao financiamento a médio e longo prazo.
Os contratos de empréstimo a médio e longo prazo celebrados com a Caixa Geral de Depósitos são ainda os que apresentam atualmente algumas das mais elevadas taxas de juro, verificando-se ainda substanciais diferenças na taxa de juro praticada por esta instituição bancária nos diversos contratos de empréstimo, como se pode verificar na pág. 19 do Orçamento para 2015 do Município de Portimão (disponível in http://www.cm-portimao.pt/index.php/autarquia/camara-municipal/documentos-financeiros/orcamentos-e-grandes-opcoes-do-plano/2749-orcamento-2015/file).
Quanto aos restantes credores, verifica-se uma “reduzida disponibilidade para redução dos montantes em dívida”; apenas o “acordo com 10 fornecedores para redução do capital e/ou juros de mora em dívida” e o “compromisso com cerca de 40 fornecedores para não emitirem juros vencidos e vincendos” (pág. 62 do Programa de Ajustamento Municipal proposto).
Tudo isto significa que o ajustamento será suportado essencialmente pelos portimonenses e que a Câmara Municipal de Portimão teve um sucesso muito reduzido nas negociações (não obstante a renegociação ter propiciado uma redução do endividamento em cerca de €6 milhões e a reestruturação em cerca de €21 milhões de euros – pág. 13 do documento).
3 – Conclusões
Pelo exposto conclui-se que relativamente ao Programa de Ajustamento Municipal proposto que:
a) Resulta da aplicação do Regime Jurídico do FAM, com o qual o Bloco de Esquerda discorda em todas as suas frentes de atuação política, da Assembleia da República às autarquias locais, visto ser inadequado e pôr em causa a autonomia financeira das autarquias locais.
b) É inadequado aos seus propósitos, considerando que parte substancial da previsão de aumento de receitas do IMI não apresenta fundamentação convincente, visto que:
(i) A justificação para o crescimento de receitas por via do aumento do Valor Patrimonial Tributário dos imóveis situados no território do Município de Portimão assenta em pressupostos que não têm uma relação de causalidade percetível e quantificável;
(ii) Ao justificar-se com base num aumento da construção, é contraditória com a previsão para a evolução das receitas das taxas de licenciamento de obras e loteamentos;
(iii) Prevê logo no triénio 2017-2019 um aumento de receita de IMI por esta via estimado em 4,69% face à arrecadação total estimada para 2014.
c) Face à falibilidade supra demonstrada das previsões da receita de IMI, esta coloca em causa toda a execução do Programa de Ajustamento Municipal proposto, com graves consequências em caso de incumprimento;
d) Atentas as medidas de natureza fiscal, que resultam na previsão da aplicação das taxas máximas, o que implica um intolerável agravamento fiscal para os portimonenses, já fustigados com recentes taxas que consubstanciam verdadeiros impostos, como é o caso da Taxa Municipal de Proteção Civil;
e) Atentas ainda as medidas de natureza fiscal, que resultam na previsão da aplicação das taxas máximas que serão prolongadas por vários mandatos, obliterando a democracia e o voto futuro dos portimonenses;
f) Atendendo a que as medidas propostas de contenção de despesa com pessoal e com aquisição de bens e serviços são apenas quantificadas, não se deixa claro em que áreas ocorrerão e quais as suas consequências para a prestação de serviços públicos e para a população, muito menos permitindo a análise da sua exequibilidade;
g) O ajustamento recairá essencialmente sobre a população, não se verificando por parte dos credores verdadeira disponibilidade para uma efetiva renegociação da dívida municipal, genericamente não se aceitando reduzir valores, e quanto aos credores bancários não se estendendo maturidades ou reduzindo as taxas de juro a médio e longo prazo.
h) O ajustamento assumirá contornos ainda mais gravosos, de acordo com o Parecer fornecido pelo ROC (Revisor Oficial de Contas):
· quando “as transferências de capital, em 2015 e 2016, e os reembolsos de empréstimos bancários de médio e longo prazo, entre 2017 e 2030, preveem despesas de cerca de 1 500 000 euros e de 1 000 000 euros, respetivamente, ralacionadas com a locação do Parque de Feiras e Exposições (edifício administrativo, armazéns e Pavilhão Arena Portimão) e com a amortização anual de empréstimo bancário de médio e longo prazo em dívida pela Expo Arade Estrutura, SA Participada da Portimão Urbis, E. M., SA – em liquidação), referente a financiamento contraído para a construção do Parque de Feiras e Exposições”;
· as próprias projeções do PAM poderão vir a ser alteradas com necessidades financeiras adicionais, decorrentes de indemnizações a pagar face a decisões judiciais desfavoráveis, sabendo-se que os passivos contingentes da Câmara e da Portimão Urbis “totalizam 16 645 000 euros e os valores mais significativos respeitam a indemnizações reclamadas judicialmente contra o Município de Portimão, cujo desfecho é de difícil previsão”.
Face a estas conclusões e, ainda, a nosso ver, a uma falta de legitimidade política destes órgãos municipais para, por si e sem eleições imediatas com debate da temática em causa, tomarem esta decisão cujos efeitos se prolongarão por vários mandatos, declaramos o nosso voto contra o Programa de Ajustamento Municipal proposto para o Município de Portimão.
Portimão, 22 de julho de 2015
O Vereador, eleito pelo Bloco de Esquerda,
João Vasconcelos