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Comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril em Portimão - Intervenção de João Vasconcelos

Comemorações do 50.º aniversário do 25 de Abril em Portimão

Intervenção de João Vasconcelos, pelo Bloco de Esquerda, na Sessão Solene

Salão Nobre da Câmara Municipal de Portimão

 

Exma. Sr.ª Presidente da Assembleia Municipal

Exma. Sr.ª Presidente da Câmara Municipal

Senhoras e Senhores Deputados Municipais

Senhoras e Senhores Vereadores

Minhas Senhoras e meus Senhores

 

Depois de 48 anos de uma ditadura repressiva, retrógrada e obscurantista, os gloriosos Capitães do Movimento das Forças Armadas devolveram a Liberdade e a Democracia ao povo português no dia 25 de Abril de 1974. Estamos hoje aqui, a comemorar o 50.º aniversário dessa data radiosa e que prometia muita esperança. A Revolução dos Cravos teve um profundo significado, com influências e reflexos sobre todos os aspetos da vida nacional e cujas ondas de choque influenciaram positivamente o desencadear de importantes acontecimentos à escala internacional.

         Rompendo com as trevas da longa noite fascista, os Capitães de Abril souberam interpretar a vontade de mudança do Povo Português e, em uníssono, militares, trabalhadores, resistentes, democratas, levantaram bem alto os ideais e valores de um Portugal novo: a liberdade e a justiça social; a democracia nas suas diversas vertentes; a paz e cooperação entre os povos; a autodeterminação e a independência para os povos das ex-colónias.

No dealbar da radiosa madrugada de Abril, iniciou-se um processo de democratização do Estado Português, fazendo-o evoluir do aparelho ideológico e repressivo para um Estado de Direito Democrático com inegáveis preocupações sociais: instituiu-se uma Segurança Social pública, universal e solidária; consagrou-se o direito universal à educação e à cultura; foi criado o Serviço Nacional de Saúde, assente numa vasta rede de serviços próximos das populações.

No plano laboral, as conquistas também foram bem evidentes: Salário Mínimo Nacional; dignificação geral dos salários, das condições de trabalho e dos vínculos; proteção social à maternidade/paternidade; foi instituído o direito à greve; diversas classes profissionais adquiriram o direito à negociação coletiva, a melhores salários, a melhores condições de trabalho, a férias pagas, ao subsídio de férias e ao 13º mês, à gestão democrática nas escolas, etc.

Uma outra inegável conquista foi o Poder Local Democrático e sem ele não estaríamos aqui hoje nesta sala. A Constituição da República de 1976, não obstante as diversas revisões de que foi alvo, continua a ser uma das mais avançadas da Europa e do mundo, daí os apetites vorazes por parte de novos populistas e velhos saudosistas, que pretendem liquidá-la de vez,

         Se Abril se tivesse cumprido nas suas grandes aspirações, valores e ideais, a realidade e a situação do país seriam hoje bem diferentes. Mas a marcha da História prosseguiu outro rumo. O capital e os grandes interesses económicos, paulatinamente foram retomando muito do que tinham perdido nos primeiros anos da Revolução e voltaram a controlar o aparelho do Estado, colocando-o ao seu serviço.

Os diversos governos que temos tido, de vários quadrantes políticos, fizeram com que muitas das conquistas de Abril pura e simplesmente desaparecessem, outras encontram-se irremediavelmente desfiguradas, outras ainda esperam a sua vez de serem liquidadas – isto se o povo deste país, os trabalhadores, os cidadãos não resistirem e não lutarem para defender o muito que ainda resta de Abril.

Um novo espetro ameaça o Portugal de Abril, como também ameaça muitos países da Europa - a extrema-direita populista, xenófoba e saudosista do fascismo e que vê em Le Pen, Trump e Bolsonaro os seus heróis de referência. Esta situação acontece porque, em parte, os governos que temos tido em Portugal e na Europa, incluindo nas autarquias, formados por partidos mais à esquerda, ou mais à direita, quer se intitulem socialistas, social-democratas, liberais ou conservadores, não têm cumprido as promessas que fazem aos cidadãos, não têm querido ou conseguido responder positivamente aos problemas e reivindicações das suas populações. Depois sobe nas eleições quem se arma em “salvador da pátria”, quem barafusta mais alto, quem promete tudo a todos e quem mais fake news fabrica nas redes sociais. Em política não há espaços vazios!

Outros fatores têm contribuído para o avanço da extrema-direita no nosso país, por exemplo a desvalorização do ensino da História, da nossa cultura. É preciso desenvolver currículos adequados, é preciso instruir e ensinar devidamente os nossos jovens, as novas gerações, saber bem o que foi a tenebrosa ditadura da extrema-direita salazarista e outras ditaduras fascistas e nazi que ocorreram na Europa, a terrível guerra colonial que tantas vidas inocentes ceifou, o que foi o terror perpetrado pelos esbirros da PIDE, o que foram os temíveis presídios do Estado Novo, o que foi a implacável censura praticada pelos agentes do lápis azul, o que foi e o que representou a Revolução dos Cravos para o povo português. E saber bem quem são os saudosistas do passado e quem acha que já não vale a pena comemorar o 25 de Abril.

Cultura e mais cultura é fundamental. Relembro que durante a guerra civil espanhola o general franquista Moscardó teve uma frase, tristemente célebre e que dá que pensar: “quando me falam em cultura jogo logo as mãos à pistola”.

Um bom conhecimento dessas realidades, por parte da juventude e outros cidadãos, certamente será um fator determinante para a construção de uma sociedade com mais e melhor democracia, com mais justiça social, uma sociedade mais fraterna, justa e solidária. Uma sociedade que tenha sempre presente os valores de Abril

Hoje celebramos os 50 anos sobre a noite que nos trouxe mais luz, mais esperança, mais direitos e mais justiça. Pela primeira vez temos já duas gerações que não conheceram os tempos da falta de liberdade e, contudo, ainda não estamos livres para “habitar a substância do tempo”, como disse a poetisa Sophia de Mello Breyner. Estas gerações enfrentam agora dificuldades sem fim à vista e veem a promessa do seu futuro falhar todos os dias.

Volvidos 50 anos, estamos ainda longe de ver os direitos conquistados em Abril serem respeitados e aplicados a todas e a todos. A Paz, o Pão, a Saúde, a Habitação e a Educação nunca foram como agora, ou até há pouco tempo, motivo de tantos protestos, nas ruas, nas escolas, nos hospitais, por um melhor salário que não dura até ao fim do mês.

Persiste a violência contra as mulheres, o trabalho precário é a cruel realidade para milhares de jovens, aumenta a exploração, a desigualdade, a xenofobia, a intolerância, o racismo, o ódio às comunidades imigrantes, o ataque aos direitos das mulheres tão arduamente conquistados. A corrupção que tem avançado como mancha de óleo deve merecer um combate impiedoso e sem tréguas.

Quando o neoliberalismo e a extrema-direita populista lançam a sua sombra de regressão política, social e civilizacional, num ataque frontal às conquistas de Abril, manter viva esta celebração é continuar a defender a Constituição da República de Abril. E seremos solidários com os povos que hoje enfrentam a mesma ameaça de retorno à barbárie e a combatem.

Não nos podemos resignar ou aceitar o que está por cumprir de Abril. Não nos podemos calar e deixar que os donos disto tudo nos atropelem constantemente. Temos de continuar a lutar pela igualdade na sua plenitude, contra as discriminações, pelo aperfeiçoamento da democracia, pela liberdade e pelos direitos humanos.

Não há verdadeira democracia quando a desigualdade e a exclusão social afetam ainda tanta gente no nosso país, privando-a de muitos dos direitos básicos que Abril nos ofereceu. Temos de ser firmes no combate a essas desigualdades.

No 25 de Abril de 1974 iniciou-se um projeto político, alicerçado em políticas de igualdade, liberdade e fraternidade, o que deve continuar a ser a matriz sobre a qual tecemos a nossa vida coletiva, orientando a implementação de políticas públicas que garantam direitos iguais para todos, não deixando ninguém para trás.

Para finalizar, uma citação poética: 

 “Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen.

 

A liberdade tem que continuar e vai continuar por aqui, em Portimão, será também responsabilidade do Bloco de Esquerda fortalecê-la e honrar os valores de Abril!

 

Viva o 25 de Abril!

 

Viva Portimão!