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Declaração de Voto - "Núcleo de Desenvolvimento Turístico" na Quinta da Rocha

Câmara Municipal de Portimão – reunião de 4 de novembro de 2014

Declaração de voto do Vereador João Vasconcelos, do Bloco de Esquerda

Proposta de Deliberação nº 759/14

Assunto: Concurso Público para a concretização de um Núcleo de Desenvolvimento Turístico através de programas de ação territorial do litoral sul e barrocal

Em primeirro lugar o que esta proposta trata não é de um Concurso Público, mas sim para proceder à discussão pública da proposta apresentada de constituição de um Núcleo de Desenvolvimento Turístico na Quinta da Rocha.

Por outro lado, o Bloco de Esquerda considera que o Relatório apresentado pelo Júri de procedimento – conforme Informação da Câmara datada de 12/11/2014 – não devia ter dado o aval para a proposta da firma Butwell – Trading, Serviços e Investimentos prosseguir, visto apresentar inúmeras lacunas, omissões e ilegalidades (embora diga que a proposta deva adaptar-se às normas legais).

Com efeito, na análise dos critérios de admissão da proposta surgem, entre outras, as seguintes lacunas, omissões e ilegalidades:  lacunas – delimitação da RAN e REN incorretas e delimitação dos valores naturais incorretos (habitats e Linaria Algarviana); não há cartografia com os habitatats Natura 2000; regime de RAN confuso; espécies da flora incluídas na Diretiva habitatas, sendo a primeira prioritária; inexistência de distribuição potencial de Thymus Camphoratus e Limonium Lanceolatum; a solução urbanística não atinge os objetivos, com prejuízo para a componente ambiental (ecológica e paisagística) do empreendimento; omissões e lapsos quanto à legislação turística; erros na delimitação do Aproveitamento Hidroagrícola de Alvor; os fatores críticos não são avaliados devidamente; não são apresentados cenários alternativos de ocupação urbanística e desenvolvimento turístico; a área de intervenção está totalmente inserida no Sítio de Importância Comunitária (SIC) “Ria de Alvor”, cuja área foi classificada pela RCM nº 76/2000, de 5 de julho.

Outras lacunas detetadas: devido à falta de cartografia não se permite avaliar os impactes negativos da implantação do Hotel Bungalow “Hotel Retreat natureza” e do Aldeamento Turístico A T2 – Vila Linária; onde há habitats Natura 2000 não há explicação sobre os habitats que se vão perder e os que se vão ganhar; a proposta urbanística e de infraestruturas é desconforme com o regime de solos definido no PDM de Portimão; a proposta prevê a urbanização de solos RAN (perímetro de rega); a avaliação não abrange a Rede Natura 2000; a proposta não cumpre as normas legais e regulamentares aplicáveis, pois não atende às restrições de utilidade pública existentes, designadamente a RAN e a área de Aproveitamneto Hidroagrícola de Alvor; a proposta não é compatível com os instrumentos de gestão territorial, o PROT Algarve, e apresenta desconformidade com o PDM; cumpre parcialmente a composição urbana do projeto (300 camas em que 170 são camas turísticas fixas em hotel e 130 camas em aldeamento – 2 hotéis e 2 aldeamentos turísticos de 5 estrelas a incidir na retaguarda da zona terrestre de proteção); sobre os acessos rodoviários só cumpre parcialmente.

Um outro aspeto que se considera muito grave tem a ver com a implantação do NDT, parece-nos,  na faixa costeira de proteção, de acordo com o projeto e os vários ofícios trocados sobre o assunto entre a CCDR – Algarve, a Direção Geral do Território, a Agência Portuguesa do Ambiente e a própria Câmara Municipal. Como se sabe, a Quinta da Rocha encontra-se situada na Ria de Alvor, a qual faz parte das “Áreas Nucleares” da “Estrutura Regional de Proteção e Valorização Ambiental” referida no PROTAL, na qual os estuários, as lagunas e os sapais estão entre os que representam o estatuto mais elevado de prioridade de proteção, conforme o quadro III.4 do PROTAL. Por sua vez, no que erspeita à proteção da faixa costeira, os NDT apenas são admissíveis em qualquer das Unidades Territoriais, fora da “Margem” (conforme o ponto 2.3.3) e fora da “Zona Terrestre de Proteção” (faixa entre a Margem e os 500 metros), do Sistema do Litoral, tendo que respeitar também critérios específicos de qualificação na Faixa Costeira Sul entre os 500 e 2000 metros (ponto 2.3.3.1 do PROTAL).

Sucede que a quase totalidade da Quinta da Rocha se situa dentro da “Zona Terrestre de Proteção”, cuja “Margem” é contada a partir da “linha de máxima preia-mar de águas vivas equinociais” (LMPMAVE), incluindo as “águas marítimas interiores e seus leitos”, logo, também estuários e as águas lênticas no interior dos sapais. De acordo com o PROT Algarve (ponto 2.2.5 – Sistema do Litoral), para os terrenos inseridos no interior da faixa Terrestre de Proteção, nenhum NDP pode ser constituido. Assim sendo, quase todos os componentes da proposta de NDT, incluindo os que prevêem novas edificações na área abrangida pela proibição da Faixa Terrestre de Proteção são legalmente inadmissíveis.

Refira-se ainda que a Direção Geral do Território, através de ofício datado de 20/05/2014, emite um Parecer em que a delimitação da faixa costeira na zona de Alvor para a implantação de um NDT deve “ser feita no PDM de Portimão, com o rigor inerente à cartografia de referência utilizada na sua elaboração”, deve “seguir o critério estabelecido no PROTAL, constante no ponto 2.3.3 – Sistema do Litoral, do Capítulo III – Estratégia Territorial”, e deve “utilizar como referência a Linha de Máxima Preia-Mar de Águas Vivas Equinociais (LMPAVE) cuja delimitação deve seguir os critérios considerados mais adequados pela Agência Portuguesa do Ambiente em função das características biofísicas, funcionais e de uso e ocupação do solo verificadas no estuário”.

Por outro lado, num passado ainda recente, os proprietários da Butwell praticaram diversos atentados ambientais na Quinta da Rocha e foram condenados em tribunal a repor os habitats e espécies destruídos. Qualquer projeto para a área tem de respeitar a ordem de reposição, o que ainda não se verificou (a ordem de reposição foi confirmada pelo Tribunal Central Administrativo, após recurso interposto pela Butwell). A ordem de reposição implica ainda a proibição da realização de trabalhos ou outras ações de mobilização de terrenos e remoção do coberto vegetal nas áreas de espécies e habitats protegidos, assim como tem de ser apresentado pelos proprietários à Câmara de Portimão, à CCDR e ao ICNF, um projeto para a reposição de todas as espécies e habitatas destruídos na Quinta da Rocha, o que ainda não foi feito.

Por último, o Bloco de Esquerda concorda com as posições manifestadas recentemente pelo Grupo de Acompanhamneto da Ria de Alvor, constituído pelas Associações QUERCUS, LPN, SPEA, GEOTA, A ROCHA e ALMARGEM, relativamente à proposta de implantação de um NDT na Quinta da Rocha, no que concerne às áreas cartografadas da zona. De acordo com o Grupo de Acompanhamento, “não deve existir desclassificação das áreas cartografadas onde existem espécies e habitats protegidos pela Rede Natura 2000. (...) Qualquer alteração à cartogafia será no caso uma desclassificação inaceitável perante o direito europeu e interno, porque violaria o princípio da intangibilidade das classificações, não existindo motivos absolutamente excepcionais que justifiquem este projeto neste sítio Rede Natura, nomeadamente valores de indiscutível superioridade axiológica, como ‘vida humana’, ‘saúde pública’ ou ‘segurança coletiva’ (...), devendo ainda as entidades públicas envolvidas na ponderação deste projeto justificar a ausência de alternativas no concelho de Portimão ou mesmo na freguesia da Mexilhoeira Grande”.

Pelos motivos acima expostos, o Vereador do Bloco de Esquerda vota contra esta Proposta de Deliberação nº 759/14.

O Vereador do Bloco de Esquerda

João Vasconcelos