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Expansão do Solo Urbano: o Desastre Anunciado

Moção apresentada pelo Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal de Portimão, a 24 de fevereiro de 2025, sobre a nova lei dos solos. Rejeitada com os votos contra do PS, PSD e CDS e a abstenção do Chega.

MOÇÃO

Expansão do solo urbano: o desastre anunciado

A publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei nº 117/2024, de 30 de dezembro de 2024, que altera os artigos 72º, 72º-B e outros do RJIGT (DL nº 802/2015) tem suscitado um vivo debate sobre as implicações urbanísticas, ambientais, económicas e sociais da expansão do solo urbano nele prevista.

No mesmo mês de dezembro, mas no dia 5 foi o Dia Mundial do Solo.Aprovado pela Assembleia Geral da ONU em 2013, chama a atenção para a degradação dos solos e a necessidade vital para as populações, já que mais de 95% dos alimentos provêm deles. Para além desta utilização do solo, há também a de suporte à edificação, infraestruturas urbanas e equipamentos.

Mas esta deliberação da ONU não é a única posição internacional a ser posta em causa pela alteração legal pretendida pelo atual governo e que significará uma enorme impermeabilização do solo. No relatório “Rethinking Urban Sprawl”, a OCDE realça que a edificação dispersa triplica os custos dos serviços públicos e obriga a maiores deslocações casa-trabalho, congestionamento de trânsito, poluição do ar e aumento do preço das casas. E o recente Regulamento (UE) 2024/1991 do Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de junho de 2024, relativo ao restauro da natureza, veio apontar aos Estados-Membros, no seu artigo 8º – restauro dos ecossistemas urbanos – que até 2030 têm de assegurar que não há perda líquida da superfície nacional total de espaço verde urbano e de coberto arbóreo urbano nos ecossistemas urbanos comparativamente com 2024.

A expansão do solo urbano prevista no diploma governamental é também contrária às indicações, alertas e propostas de inúmeros trabalhos de especialistas nesta temática. As “alterações da ocupação do solo em Portugal continental 1985|2000” salientam o crescimento dos territórios artificializados em 70.000 hectares (mais 42%). O tecido urbano descontínuoé a classe dos territórios artificializados que teve maior crescimento. E este elemento é relevante já que as novas construções, dispersas, irão artificializar mais solo. Acresce que de acordo com a publicação do IHRU “O parque habitacional-análise e evolução 2011|2021”, pág. VI, a grande maioria (87%) dos edifícios em Portugal têm apenas um alojamento (fogo unifamiliar). E dos 3,5 milhões de edifícios existentes, 37% têm apenas um piso (p. 23), um brutal desperdício de solo e infraestruturas urbanísticas.

A alegada falta de solos para construção é também claramente desmentida pelo recente Relatório do Estado do Ordenamento do Território (REOT 2024), que refere que “a proporção de solo urbano do continente que se encontrava edificada em 2021 era em média de 50%” (p. 69). O mesmo documento salienta que, entre 2007 e 2018, ocorreu um consumo líquido diário de territórios não-artificializados de 6,2 hectares, número que prenuncia o incumprimento da meta europeia que preconiza uma artificialização líquida do território nula em 2050.

Sobre a proclamada baixa do preço da construção através da aplicação da nova lei, um anterior responsável da Direção-Geral do Território salientou em 2016 que “o sobredimensionamento de áreas urbanizáveis em planos de uso do solo não contém o aumento dos preços dos solos. Pelo contrário, alimenta a especulação…” (Paulo V.D. Correia in O novo regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, p. 192).

Perante a desconsideração de tantas normas e orientações nacionais e internacionais, como explicar então a insistência governamental em aumentar a urbanização dispersa e a artificialização do solo? Já era conhecida a apetência dos grandes proprietários, do setor da construção civil e dos promotores imobiliários pela edificação sem qualquer entrave. O que há de novo é a transformação da habitação em ativos financeiros, com um peso crescente dos fundos imobiliários, que, segundo a CMVM, são 273, com um valor sob gestão superior a 15 mil milhões de euros.     

Pelo exposto, a Assembleia Municipal de Portimão, reunida em sessão ordinária a 24 de fevereiro de 2025, delibera:

  1. Defender a revogação do Decreto-Lei nº 117/2024 pelos gravíssimos impactos da sua aplicação;
  2. Assegurar a informação pública e transparente dos casos em que ocorra o alargamento do solo urbano

O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda,

(Em caso de aprovação, esta moção deve ser remetida para conhecimento dos grupos parlamentares com representação na Assembleia da República e do Ministério Adjunto e da Coesão Territorial/Governo)