
Portimão, 19 de fevereiro de 2016
MOÇÃO
Em defesa do Serviço Nacional de Saúde
Há 42 anos, a esperança média de vida em Portugal era de 64 anos para os homens e de 70,3 anos para as mulheres; atualmente é de 76,7 anos para homens e 82,6 anos para as mulheres, o que representa um aumento de quase 20,0% para os homens e de cerca de 18,0% para as mulheres.
Há 42 anos, a taxa de mortalidade infantil indicava que por cada mil crianças nascidas em Portugal 55 não completavam o primeiro ano de vida; atualmente, por cada mil nascimentos apenas 3 não sobrevivem ao primeiro ano de vida[1].
Em 42 anos, deixou de se dizer “tive 5 filhos mas só vingaram dois”. Em 42 anos, quebrou-se o ciclo da pobreza e da doença. Em 42 anos, conseguiu-se acabar com a indignidade de pessoas doentes por não se tratarem por não terem acesso a cuidados de saúde, nem meios para o pagar. Os princípios de abril, plasmados na Constituição, permitiram construir um Serviço Nacional de Saúde (SNS[2]) garantindo cuidados de saúde primários e hospitalares a todas as pessoas, disseminando no território hospitais e centros de saúde, assegurando a equidade no acesso e garantindo o acesso a cuidados médicos a todas as pessoas, a título universal, geral e gratuito.
Para implementar a sua missão, o SNS é financiado através do Orçamento de Estado. Como se compreende, é necessário que o orçamento atribuído ao SNS lhe permita assegurar as suas funções. Ao longo dos últimos quatro anos, o Governo PSD/CDS fez o orçamento do SNS recuar dez anos: em 2015 foi de 7,8 mil milhões, ao nível das dotações de 2005/2006. Entre 2010 e 2014, a despesa pública total com a saúde reduziu-se 5,5 mil milhões de euros.
No entanto, o setor privado cresceu fulgurosamente graças ao Estado: entre 2010 e 2014, os pagamentos do Estado aos grupos privados aumentaram de 160 para 427 milhões (note-se que mais de um terço da faturação dos grupos privados é assegurada por pagamentos da ADSE e convenções com o Estado). O Orçamento do Estado para 2015 destinou 417 milhões para as parcerias público-privadas (PPP) na saúde e reservou 1200 milhões de euros para aquisição de serviços através de contratação externa.
São escolhas, é verdade. E o Governo PSD/CDS fez escolhas: pela austeridade, pelo apoio ao setor privado, pelo corte no setor público.
Consequentemente, as dificuldades do SNS avolumaram-se ao ponto de se registar falta dos mais simples materiais (como luvas ou batas), ou das terapêuticas mais caras (como medicamentos oncológicos ou biológicos); os tempos de espera nas urgências atingiram limites impossíveis de aceitar e, a falta de recursos para reparar ou renovar equipamentos ou instalações tornou-se evidente.
Tudo isto perante equipas de profissionais levadas ao limite da exaustão, desfalcadas por falta de médicos, enfermeiros, técnicos e outros profissionais de saúde. A desmotivação tomou conta dos profissionais, desrespeitados nos seus direitos e carreiras, mal remunerados, sujeitos a enormes cargas de trabalho, prejudicados nos períodos de descanso impostos pela própria lei, limitados na sua realização profissional, sujeitos à incerteza da precariedade e - quantas vezes - usados como bodes expiatórios e culpados por falhas e problemas provocados pelas decisões das administrações ou próprio governo.
Os utentes depararam-se com taxas moderadoras que se transformaram em copagamentos, meios complementares de diagnóstico a atingirem valores absurdos, impossibilidade de dar continuidade a tratamentos por não poder pagar o transporte, tratamentos e cirurgias desmarcados por falta de material...
Sucederam-se os alertas dando nota das dificuldades do SNS.
Sucederam-se as evidências de que não era possível fazer mais com menos. Sucederam-se as provas de que a austeridade estava a degradar a qualidade e o acesso do SNS.
E sucederam-se as desvalorizações destes mesmos alertas pelo governo PSD/CDS.
Até que, da pior forma, deixou de ser possível ignorar que a austeridade mata.
Por tudo isto, é imperativo travar este processo de destruição do SNS. E bem revelador do que se afirma é o que se passa atualmente no Algarve, com a criação do Centro Hospitalar do Algarve, um modelo que falhou rotundamente.
É absolutamente fundamental assegurar que o SNS tem as condições orçamentais necessárias ao seu normal funcionamento e, para tal, é necessário aumentar o financiamento; um orçamento de 8,5% do Produto Interno Bruto PIB (hoje 5,9%, para uma média OCDE de 9,3%, tendo sido de 6,7% em 2012) permitiria o normal funcionamento do SNS. Este orçamento permitiria também pôr no terreno medidas determinantes, como a criação de um Fundo Especial para a Inovação Terapêutica, reduzindo nos orçamentos hospitalares o custo dos medicamentos inovadores, uma nova e efetiva política de promoção da saúde e prevenção da doença, investir na construção prioritária de novos hospitai, no alargamento da rede pública de cuidados continuados e na implementação da rede nacional oncológica.
Os desafios que o SNS enfrenta são imensos. Travar a destruição em curso e salvar o SNS é uma missão crucial para a qual todos estamos convocados. Para que a austeridade deixe de matar.
Pelo exposto, a Assembleia Municipal de Portimão reunida em 19 de fevereiro de 2016, delibera:
O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda
Pedro Mota
Marco Pereira
Elvira Meco
[1] “25 de abril – 40 anos de estatísticas” do Instituto Nacional de Estatística
[2] Lei n.º 56/79, de 15 de setembro
Observação: moção aprovada com 6 votos a favor (Bloco de Esquerda e CDU), 4 contra (CDS/MPT/PPM) e 13 abstenções (PS e PSD)